top of page

Os perigos ocultos de fazer terapia com o ChatGPT

No cenário atual, marcado pela rápida evolução tecnológica e pela busca incessante por soluções práticas e acessíveis, muitas pessoas têm recorrido a ferramentas de inteligência artificial, como o ChatGPT, para obter suporte emocional. Esta tendência, aparentemente conveniente, esconde riscos significativos que precisamos compreender e discutir abertamente.


A terapia psicológica autêntica não se resume à aplicação mecânica de técnicas ou ao simples compartilhamento de informações. Em sua essência, constitui um relacionamento terapêutico profundo que promove a restauração de feridas emocionais através do contato humano genuíno, da conversa empática e do desenvolvimento conjunto de estratégias para superar desafios emocionais e práticos.


Neste artigo, examinaremos em profundidade os perigos ocultos de substituir o processo terapêutico tradicional por interações com inteligência artificial. Exploraremos não apenas as limitações técnicas desses sistemas, mas também as consequências psicológicas, éticas e sociais de confiar questões de saúde mental a algoritmos, por mais avançados que sejam.


O Processo terapêutico autêntico: muito além das técnicas


A Natureza Relacional da Terapia

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), assim como outras abordagens terapêuticas eficazes, fundamenta-se em um princípio essencial: a relação terapêutica. Esta relação não é apenas um meio para aplicar técnicas, mas constitui, em si mesma, um poderoso fator de mudança e transformação.


Quando um paciente entra em um consultório de psicologia, inicia-se um processo de vinculação que transcende o mero compartilhamento de informações. O terapeuta não apenas escuta, mas observa expressões faciais, tom de voz, postura corporal e uma infinidade de sinais não-verbais que comunicam muito mais do que as palavras. Esta comunicação multidimensional permite ao profissional captar nuances emocionais, contradições sutis e aspectos inconscientes que o próprio paciente muitas vezes desconhece.


A confiança estabelecida neste vínculo cria um espaço seguro onde o paciente pode explorar vulnerabilidades, medos e traumas sem julgamento. Esta segurança emocional representa o alicerce sobre o qual toda intervenção terapêutica eficaz se constrói.


As três etapas do processo terapêutico eficaz


A terapia psicológica estruturada, especialmente na abordagem cognitivo-comportamental, desenvolve-se tipicamente em três etapas fundamentais:


  1. Identificação dos problemas e compreensão dos fatores causais: Nesta fase inicial, terapeuta e paciente trabalham colaborativamente para mapear sintomas, identificar padrões disfuncionais de pensamento e comportamento, e compreender os fatores históricos e atuais que contribuem para o sofrimento psíquico. Este processo vai muito além de uma simples coleta de dados – envolve uma exploração conjunta e sensível das experiências de vida do paciente.


  1. Desenvolvimento e aplicação de estratégias terapêuticas: Com base na compreensão construída, o terapeuta ensina e adapta estratégias específicas para superar dificuldades, promover saúde emocional e desenvolver novas habilidades psicológicas. Estas estratégias são constantemente refinadas com base nas respostas individuais e nas necessidades emergentes do paciente.


  1. Prevenção de recaída e consolidação de ganhos: À medida que o progresso se estabelece, o foco desloca-se para a manutenção dos ganhos terapêuticos e a preparação para desafios futuros, culminando eventualmente na alta psicológica. Esta fase de fortalecimento da autonomia emocional depende profundamente da confiança desenvolvida no relacionamento terapêutico.


Em cada uma destas etapas, a presença humana autêntica do terapeuta, com sua capacidade de empatia, flexibilidade e resposta emocional genuína, constitui um elemento insubstituível do processo de cura.


As limitações fundamentais da IA como terapeuta


Ausência de consciência emocional real.


Por mais impressionantes que sejam os avanços na inteligência artificial, sistemas como o ChatGPT carecem de uma característica humana fundamental: a consciência emocional autêntica. Estes sistemas podem simular empatia através de padrões linguísticos aprendidos, mas não experimentam genuinamente emoções.


Esta limitação intrínseca significa que, quando um usuário compartilha um momento de profunda dor emocional, a resposta da IA, embora possa parecer apropriada na superfície, não provém de uma compreensão verdadeira do sofrimento humano. Trata-se apenas de uma sofisticada simulação baseada em padrões estatísticos de linguagem.


A conexão emocional autêntica que ocorre quando um terapeuta humano responde genuinamente ao sofrimento de outro ser humano – com suas próprias reações fisiológicas, emocionais e cognitivas – representa um elemento terapêutico poderoso que nenhum algoritmo pode replicar.


Incapacidade de perceber nuances não-verbais


A comunicação humana é multidimensional. Estudos demonstram que mais de 60% da comunicação interpessoal ocorre através de canais não-verbais: expressões faciais, contato visual, postura corporal, tom de voz, ritmo respiratório e inúmeros outros sinais sutis que comunicam estados emocionais.


Um terapeuta humano qualificado capta estas informações constantemente, ajustando sua abordagem em tempo real com base nestes sinais. Pode notar, por exemplo, quando um paciente diz estar "bem" enquanto seu corpo comunica tensão extrema, ou perceber lágrimas contidas que indicam emoções não expressas verbalmente.


Os sistemas de IA, limitados principalmente ao texto (ou, em alguns casos, à análise de imagens e áudio), simplesmente não têm acesso a esta rica dimensão da comunicação humana, resultando em uma compreensão necessariamente parcial e empobrecida da experiência do usuário.


Ausência de responsabilidade

ética e profissional


Os psicólogos humanos operam dentro de um rigoroso código de ética profissional, com responsabilidades legalmente definidas em relação à confidencialidade, ao manejo de situações de risco e ao compromisso com o bem-estar do paciente.


Um psicólogo está legalmente obrigado a intervir quando identifica riscos de suicídio, por exemplo, e pode acionar redes de apoio ou serviços de emergência quando necessário. Possui também a capacidade de avaliar quando uma abordagem específica não está funcionando e a flexibilidade para adaptar suas intervenções ou encaminhar o paciente para outro profissional mais adequado.


Os sistemas de IA operam sem este arcabouço ético-legal e sem a capacidade genuína de assumir responsabilidade pelos resultados de suas interações. Esta ausência de responsabilidade profissional representa um risco significativo, especialmente para usuários em situações de vulnerabilidade psicológica aguda.


Riscos Específicos da "Terapia" com IA


Falsa sensação de tratamento adequado


Um dos perigos mais insidiosos da utilização de IA como substituto para terapia é a ilusão de estar recebendo tratamento apropriado quando, na realidade, problemas psicológicos potencialmente graves permanecem sem intervenção adequada.


Esta falsa sensação de segurança pode levar ao adiamento da busca por ajuda profissional qualificada, permitindo que condições como depressão, transtornos de ansiedade ou traumas não tratados se agravem silenciosamente. A aparente resposta imediata e acessível da IA pode mascarar a necessidade de um diagnóstico adequado e de um plano de tratamento estruturado.


Casos como transtornos do espectro autista, TDAH ou condições psiquiátricas que requerem avaliação neuropsicológica especializada necessitam de profissionais qualificados, não apenas para identificação, mas para o desenvolvimento de estratégias de intervenção personalizadas que considerem as particularidades neurobiológicas e psicossociais de cada indivíduo.


Risco de respostas inadequadas ou potencialmente prejudiciais


Por mais avançados que sejam, sistemas de IA como o ChatGPT ocasionalmente geram informações incorretas ou conselhos potencialmente prejudiciais, especialmente ao lidar com situações complexas de saúde mental.


Um algoritmo pode, por exemplo, oferecer técnicas de respiração para alguém descrevendo sintomas de pânico, sem reconhecer que estes sintomas poderiam indicar uma condição médica grave exigindo atenção imediata. Ou poderia sugerir estratégias de exposição para fobias sem o acompanhamento cuidadoso necessário para prevenir o agravamento da ansiedade.


Sem a capacidade de avaliação clínica e o julgamento contextual de um profissional treinado, a IA pode inadvertidamente reforçar padrões disfuncionais de pensamento ou comportamento, ou falhar em identificar sinais sutis de condições potencialmente graves, como ideação suicida ou sintomas psicóticos incipientes.


Exposição de Informações Pessoais Sensíveis


Ao interagir com sistemas de IA como o ChatGPT, os usuários frequentemente compartilham informações extremamente pessoais e sensíveis, muitas vezes sem plena consciência de como esses dados são armazenados, processados ou potencialmente utilizados.


Embora existam políticas de privacidade, muitos usuários não compreendem completamente que suas conversas podem ser revisadas por humanos para fins de treinamento, ou que dados compartilhados podem ser usados para refinar algoritmos.

Esta exposição de informações íntimas a sistemas comerciais representa um risco à privacidade fundamentalmente diferente da confidencialidade legalmente protegida oferecida por terapeutas humanos.


Além disso, ao tornar-se dependente de IA para suporte emocional, o usuário involuntariamente contribui para um modelo de negócios que monetiza o sofrimento psicológico, transformando vulnerabilidades emocionais em dados comercialmente valiosos.


O impacto social e psicológico do afastamento do contato humano


Empobrecimento das habilidades sociais e relacionais


A busca exclusiva por interações digitais como forma de suporte emocional contribui para um preocupante declínio nas habilidades sociais fundamentais. O processo terapêutico tradicional não apenas oferece alívio para sofrimentos específicos, mas também constitui um laboratório seguro para o desenvolvimento de competências relacionais.


Em uma terapia presencial, o paciente pratica habilidades essenciais: comunicar emoções difíceis, estabelecer limites saudáveis, lidar com conflitos interpessoais e desenvolver intimidade emocional. Esta dimensão de aprendizagem social é completamente perdida nas interações com IA, onde não há consequências relacionais genuínas nem a complexidade impulsiva e imprevisível das interações humanas reais.


À medida que indivíduos se tornam mais dependentes de interfaces digitais para satisfazer necessidades emocionais, observa-se um círculo vicioso onde a ansiedade social aumenta, impulsionando ainda mais o isolamento e a preferência por interações que não exigem as vulnerabilidades inerentes aos contatos humanos autênticos.


Agravamento da epidemia de solidão contemporânea


Vivemos atualmente o que muitos especialistas descrevem como uma "epidemia de solidão" nas sociedades contemporâneas. Antes mesmo da popularização de sistemas de IA conversacionais, estudos já indicavam níveis alarmantes de isolamento social, com consequências documentadas para a saúde física e mental comparáveis aos efeitos do tabagismo ou da obesidade.


A substituição do contato terapêutico humano por interações com IA intensifica este problema societal, oferecendo a ilusão de conexão enquanto aprofunda o desengajamento das relações interpessoais autênticas. Esta tendência é particularmente preocupante considerando que muitos transtornos psicológicos, como depressão e ansiedade, já têm como sintoma e fator agravante justamente o isolamento social.


O paradoxo cruel é que, ao buscar alívio para seu sofrimento emocional em um sistema automatizado, o indivíduo pode inadvertidamente agravar uma das causas fundamentais desse sofrimento: a desconexão dos laços comunitários e interpessoais que constituem a base da resiliência psicológica humana.


Desvalorização da experiência humana compartilhada


Um aspecto fundamental do processo terapêutico tradicional é o reconhecimento da universalidade do sofrimento humano. Quando um paciente compartilha suas lutas com um terapeuta, ocorre um fenômeno poderoso de normalização: a compreensão de que não está sozinho em sua experiência, que suas emoções, por mais dolorosas que sejam, fazem parte da condição humana compartilhada.


Esta dimensão de validação através da conexão humana genuína possui um poder terapêutico que transcende a mera troca de informações ou técnicas. Representa um antídoto para a vergonha e o isolamento que frequentemente acompanham o sofrimento psicológico.


Ao substituir esta experiência humana compartilhada por interações com algoritmos, perdemos um elemento central do processo de cura: o reconhecimento mútuo de nossa humanidade comum, com todas suas imperfeições, contradições e vulnerabilidades.


Quando a IA pode ser útil (sem substituir a terapia)


Usos potencialmente benéficos como complemento


É importante reconhecer que a inteligência artificial pode desempenhar um papel positivo no campo da saúde mental quando utilizada apropriadamente como complemento – nunca como substituto – de um processo terapêutico conduzido por profissionais qualificados.


Alguns contextos onde a IA pode oferecer benefícios incluem:


  • Psicoeducação e acesso a informações: Sistemas como o ChatGPT podem fornecer informações educativas sobre condições psicológicas, desmistificando transtornos mentais e reduzindo o estigma.


  • Ferramentas de apoio para prática de técnicas: Aplicativos baseados em IA podem apoiar a prática de técnicas como mindfulness, respiração diafragmática ou registro de pensamentos entre sessões terapêuticas.


  • Triagem inicial e encaminhamento: Em contextos com recursos limitados, a IA pode auxiliar na triagem básica e no direcionamento para serviços humanos apropriados.


  • Acessibilidade em áreas remotas: Como recurso temporário em regiões com escassez extrema de profissionais de saúde mental, oferecendo algum suporte enquanto se trabalha para desenvolver infraestruturas adequadas de cuidados humanos.


Quando a IA nunca deve substituir um Psicólogo bem qualificado


Existem situações em que o uso de IA como substituto para terapia humana representa um risco significativo e deve ser categoricamente evitado:


  • Crises agudas e emergências de saúde mental: Situações envolvendo risco de suicídio, autolesão, psicose aguda ou outros estados de crise exigem intervenção humana imediata e qualificada.


  • Trauma complexo e TEPT: O tratamento de experiências traumáticas requer a presença segura e estável de um terapeuta humano treinado, capaz de conter e processar material emocionalmente volátil de forma segura.


  • Transtornos alimentares: Condições como anorexia nervosa, bulimia e transtorno da compulsão alimentar envolvem riscos médicos significativos e requerem abordagens terapêuticas especializadas que a IA não pode oferecer.


  • Avaliações e diagnósticos formais: Diagnósticos de condições como TDAH, transtornos do espectro autista ou avaliações neuropsicológicas exigem observação clínica especializada, aplicação de instrumentos validados e integração de múltiplas fontes de informação que transcendem as capacidades da IA.


  • Transtornos de personalidade: O tratamento de condições como transtorno de personalidade borderline depende fundamentalmente da regulação emocional proporcionada pelo relacionamento terapêutico humano.


O valor insubstituível da conexão humana na cura emocional


A base neurobiológica da cura através do relacionamento


A importância do contato humano no processo terapêutico não é apenas uma preferência filosófica ou tradicional – está firmemente ancorada na neurobiologia humana. Pesquisas em neurociência social demonstram que o cérebro humano é fundamentalmente social, com circuitos neurais específicos dedicados à conexão interpessoal.


Quando um paciente estabelece uma relação terapêutica segura com um profissional empático, ocorrem mudanças mensuráveis em sistemas neurobiológicos relacionados ao estresse, à regulação emocional e ao bem-estar psicológico:


  • O sistema nervoso parassimpático é ativado, reduzindo a resposta de "luta ou fuga" e promovendo estados fisiológicos de calma e segurança.


  • Neurotransmissores associados ao bem-estar, como oxitocina, serotonina e endorfinas, são liberados em resposta a interações sociais positivas.


  • Circuitos neurais associados à mentalização e regulação emocional são fortalecidos através da modelagem relacional proporcionada pelo terapeuta.


Estes processos neurobiológicos de cura através do relacionamento simplesmente não podem ser replicados em interações com sistemas artificiais, por mais sofisticados que sejam.


Para além dos dados científicos, as histórias individuais de transformação através da psicoterapia ilustram o poder insubstituível da conexão humana autêntica no processo de cura emocional.


Considere o caso de pessoas que superaram traumas severos através da relação terapêutica – indivíduos que, após experiências de abuso, negligência ou violência, conseguiram reconstruir sua capacidade de confiança e intimidade através da experiência corretiva de um relacionamento terapêutico seguro e confiável.


Ou reflita sobre aqueles que, após anos de isolamento social devido à ansiedade ou depressão, encontraram na relação terapêutica um primeiro passo seguro de volta à conexão com outros, desenvolvendo gradualmente a confiança e as habilidades necessárias para construir relacionamentos significativos.


Estas histórias de transformação são possíveis porque a terapia oferece algo que transcende informações ou técnicas: oferece a experiência vivida de ser verdadeiramente visto, ouvido e valorizado por outro ser humano.


Ao concluir esta exploração dos perigos ocultos de substituir a terapia tradicional por interações com IA, é fundamental reafirmar que a tecnologia pode desempenhar um papel valioso no campo da saúde mental – desde que utilizada com consciência de suas limitações fundamentais e como complemento, nunca como substituto, do relacionamento terapêutico humano.


O processo terapêutico autêntico oferece uma dimensão de cura que nenhum algoritmo pode replicar: a experiência transformadora de crescer e se curar através da conexão humana genuína. Neste sentido, a busca por atalhos tecnológicos para o bem-estar psicológico pode, ironicamente, nos afastar do elemento mais essencial para nossa saúde mental: nossa capacidade inata de cura através do relacionamento.


Como sociedade, enfrentamos escolhas importantes sobre como integraremos avanços tecnológicos no campo delicado e profundamente humano da saúde mental. Estas escolhas devem ser guiadas não apenas por considerações de eficiência e acessibilidade, mas também por um profundo respeito pela complexidade da experiência humana e pelo poder transformador das conexões humanas autênticas.


A verdadeira terapia vai muito além da aplicação de técnicas ou do compartilhamento de informações – representa um espaço sagrado de encontro humano onde, através da confiança, empatia e compromisso mútuo, podemos redescobrir nossa capacidade inata de superação, crescimento e transformação emocional. Esta dimensão relacional da cura psicológica permanece, apesar de todos os avanços tecnológicos, irredutivelmente humana.


Comments


Resende Shopping - Torre I - 3º andar - Sala 334

Av. Saturnino Braga, 369, Resende - RJ, 27511-300, Brasil.  

©2025 por Gisele Silva Corrêa, Psicóloga e Neuropsicóloga.

bottom of page