Será que a rigidez cognitiva é mesmo um problema?
- Agência Brand Red

- há 7 dias
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Um olhar sobre autismo e superdotação

Descubra como a rigidez cognitiva pode ser força e desafio em adultos com autismo ou superdotação — e como a TCC, o mindfulness e a avaliação neuropsicológica podem promover equilíbrio e autoconhecimento.
A mente brilhante que não desliga
Há pessoas cuja mente nunca parece descansar. São aquelas que pensam rápido, observam detalhes que outros ignoram e buscam coerência e precisão em tudo o que fazem. Essa intensidade mental pode ser fascinante — mas também exaustiva. Em muitos casos, está relacionada à rigidez cognitiva, um padrão de funcionamento presente em diferentes graus em pessoas autistas e superdotadas.
Com frequência, esse traço é visto como algo negativo — uma limitação, uma dificuldade de adaptação. No entanto, estudos recentes mostram que a rigidez cognitiva também pode ser um reflexo de uma mente estruturada, analítica e resiliente (Desvaux et al., 2023).
Neste artigo, o objetivo é compreender o que realmente significa ser cognitivamente “rígido”, por que isso ocorre em alguns adultos neurodivergentes e como abordagens baseadas em ciência — como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), o Treinamento em Mindfulness e a Avaliação Neuropsicológica — podem ajudar a transformar esse padrão em autoconhecimento e bem-estar.
O que é rigidez cognitiva (e por que não é um “defeito”)?
A rigidez cognitiva é a dificuldade de mudar de perspectiva, adaptar estratégias mentais ou flexibilizar o raciocínio diante de novas situações. Em termos simples, é a tendência de manter o mesmo modo de pensar mesmo quando o contexto muda.
Esse funcionamento está relacionado às funções executivas — processos cerebrais ligados ao planejamento, tomada de decisão e controle de impulsos, coordenados pelo córtex pré-frontal (Kuznetsova et al., 2024). Pessoas neurotípicas alternam naturalmente entre foco e flexibilidade. Já indivíduos autistas ou superdotados costumam apresentar maior consistência e persistência mental, o que é útil em algumas situações e desafiador em outras.
No cotidiano, a rigidez pode aparecer como:
insistir em métodos específicos de trabalho;
desconforto com mudanças de rotina;
dificuldade em parar uma tarefa antes de concluí-la;
tendência a repensar excessivamente um erro.
Longe de ser um defeito, a rigidez cognitiva é um estilo de funcionamento cerebral. Ela se torna um problema apenas quando o ambiente exige constante adaptação — e o cérebro, por natureza, busca previsibilidade.
Autismo e superdotação: quando o pensamento segue um padrão próprio
Pesquisas em neuropsicologia mostram que o autismo e a superdotação compartilham semelhanças em funções executivas e redes de processamento de informação (Desvaux et al., 2023; Kuznetsova et al., 2024). Enquanto o autismo se caracteriza por um modo de funcionamento mais estruturado e sensível a estímulos, a superdotação envolve alta capacidade de raciocínio, memória e criatividade, mas também um pensamento altamente convergente e analítico.
Essas pessoas costumam ter:
Preferência por sistemas lógicos e previsíveis;
Alto nível de concentração;
Necessidade de coerência e sentido nas ações;
Dificuldade com situações ambíguas ou caóticas.
Imagine, por exemplo, um adulto superdotado tentando resolver um conflito relacional com lógica e argumentos, enquanto o parceiro busca empatia e acolhimento emocional. Ou uma pessoa autista que experimenta ansiedade intensa diante de mudanças repentinas no trabalho. Ambos os casos refletem a busca por consistência e controle cognitivo — uma forma de manter equilíbrio interno em um mundo que frequentemente parece desorganizado.
Quando a rigidez se torna sofrimento
A rigidez cognitiva torna-se disfuncional quando limita a adaptação emocional ou social. Adultos com esse padrão relatam frequentemente:
Frustração diante de imprevistos;
Dificuldade em mudar de ideia;
Perfeccionismo;
Sensação de “travamento” mental sob pressão.
Do ponto de vista neurofuncional, isso se relaciona à hiperconectividade da rede fronto-parietal, responsável por integrar informações e controlar respostas emocionais (Desvaux et al., 2023). Em outras palavras, o cérebro da pessoa “rígida” funciona como um sistema de alta precisão: excelente em resolver problemas complexos, mas menos flexível diante da incerteza.
O tratamento não busca eliminar essa característica, mas sim ensinar o cérebro a alternar conscientemente entre foco e flexibilidade — um processo possível graças à neuroplasticidade.
As duas faces da rigidez cognitiva
Estudos recentes sobre altas habilidades apontam que a rigidez cognitiva está ligada a padrões de alto desempenho e vulnerabilidade emocional (Chieffo et al., 2025). Do lado positivo:
Promove persistência e atenção aos detalhes;
Fortalece a disciplina e o raciocínio lógico;
Favorece o pensamento analítico e estratégico.
Por outro lado:
alimenta o perfeccionismo;
intensifica a autocrítica;
aumenta a intolerância ao erro;
contribui para quadros de ansiedade ou exaustão mental.
Essa dualidade explica por que tantas pessoas inteligentes e competentes se sentem emocionalmente sobrecarregadas. O que as leva à busca por ajuda não é a inteligência — é o sofrimento gerado pelo desequilíbrio entre controle e flexibilidade. É nesse ponto que abordagens terapêuticas baseadas em evidências se tornam essenciais.
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): o treino da flexibilidade mental
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é amplamente reconhecida por ajudar indivíduos a desenvolver flexibilidade cognitiva e emocional. Baseada na identificação de padrões automáticos de pensamento, a TCC ensina o paciente a questionar crenças rígidas e substituir interpretações extremas por perspectivas mais realistas.
Para adultos autistas ou superdotados, essa abordagem é especialmente eficaz para:
reduzir o perfeccionismo e a autocrítica;
aprender a lidar com mudanças sem perda de controle;
desenvolver tolerância à incerteza;
equilibrar razão e emoção.
Por exemplo, o pensamento “preciso estar certo” pode ser reformulado para “posso aprender algo novo aqui”. Essa mudança simples modifica o funcionamento cerebral, promovendo novas conexões neurais e maior adaptabilidade.
7. Mindfulness e rigidez cognitiva: treinando a presença e a flexibilidade
O Mindfulness — ou atenção plena — é uma prática que treina a mente para observar pensamentos e emoções sem reagir automaticamente. Enquanto a TCC trabalha o conteúdo dos pensamentos, o mindfulness trabalha o processo: ensina a criar espaço entre o estímulo e a resposta.
Pesquisas demonstram que o mindfulness modifica a atividade do córtex pré-frontal e do sistema límbico, reduzindo a reatividade emocional e fortalecendo a regulação interna (Tang et al., 2015). Para quem tem rigidez cognitiva, essa prática desenvolve:
consciência sobre o próprio fluxo mental;
maior calma diante de imprevistos;
capacidade de responder, em vez de reagir;
sensação de estabilidade sem necessidade de controle excessivo.
8. Avaliação Neuropsicológica: entender o funcionamento para intervir com precisão
Nem toda rigidez cognitiva tem a mesma origem. Por isso, a Avaliação Neuropsicológica é fundamental para compreender se esse padrão está associado a altas habilidades, autismo, ansiedade, TDAH ou outras condições.
Essa avaliação investiga aspectos como atenção, memória, velocidade de processamento, raciocínio e flexibilidade mental — compondo um retrato detalhado do funcionamento cognitivo. Segundo revisões recentes (Kuznetsova et al., 2024; Desvaux et al., 2023), pessoas com altas habilidades tendem a apresentar excelente desempenho em memória de trabalho e raciocínio abstrato, mas maior dificuldade em alternar estratégias cognitivas rapidamente. Já no autismo, há um padrão de hiperfoco e menor adaptação emocional.
Com base nesses resultados, é possível planejar intervenções personalizadas, ajustando estratégias terapêuticas e comportamentais conforme o perfil cognitivo.
Reprogramando o cérebro: da rigidez à integração
Um dos maiores avanços da neurociência moderna é a comprovação de que o cérebro é plástico em qualquer idade. Isso significa que padrões mentais rígidos — mesmo os mais antigos — podem ser transformados por meio de treino, terapia e autoconhecimento.
A prática da metacognição, presente tanto na TCC quanto no mindfulness, ajuda a pessoa a observar o próprio pensamento e escolher respostas mais adaptativas. Essa autorregulação fortalece as áreas cerebrais envolvidas na tomada de decisão e na flexibilidade cognitiva.
Desenvolver uma mente flexível não significa abrir mão da estrutura ou da lógica — significa usar essas qualidades de forma mais leve, adaptável e compassiva.
Conclusão – Um convite à autocompreensão
A rigidez cognitiva não é um erro de funcionamento, mas um modo particular de o cérebro buscar segurança e coerência. Em adultos com superdotação ou autismo, ela expressa uma sensibilidade intelectual e emocional acima da média — um estilo de pensar que pode ser tanto uma força quanto uma fonte de sofrimento.
Com autoconhecimento e apoio terapêutico, é possível equilibrar essas dimensões. A flexibilidade não substitui a profundidade; ela a complementa. E aprender a se mover entre foco e leveza é um dos maiores sinais de maturidade emocional.
Referências:
KUZNETSOVA, E. et al. Giftedness identification and cognitive, physiological and psychological characteristics of gifted children: a systematic review. Frontiers in Psychology, v. 15, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.3389/fpsyg.2024.1411981. Acesso em: 28 out. 2025.
CHIEFFO, D. et al. Cognitive, behavioral, and learning profiles of children with above-average cognitive functioning: Insights from an Italian clinical sample. Children (Basel), v. 12, n. 7, art. 926, 2025. Disponível em: https://doi.org/10.3390/children12070926. Acesso em: 28 out. 2025.
TANG, Y.-Y.; HÖLZEL, B. K.; POSNER, M. I. The neuroscience of mindfulness meditation. Nature Reviews Neuroscience, v. 16, n. 4, p. 213-225, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1038/nrn3916. Acesso em: 28 out. 2025.
KABAT-ZINN, J. Mindfulness for beginners: reclaiming the present moment—and your life. Boulder: Sounds True, 2011.
"Será que a rigidez cognitiva é mesmo um problema?"



