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Meu filho é rígido no pensamento — isso é autismo ou superdotação?

  • Foto do escritor: Psicóloga Gisele S. Corrêa
    Psicóloga Gisele S. Corrêa
  • 31 de out.
  • 7 min de leitura
Meu filho é rígido no pensamento — isso é autismo ou superdotação?
Pensamento Rígido à esquerda e a direita Superdotação

1. Quando o pensamento rígido chama a atenção dos pais


É comum que pais percebam, ainda cedo, que seus filhos pensam de um jeito diferente. Alguns parecem muito literais, têm dificuldade em aceitar mudanças, insistem que tudo siga “como sempre foi”. Outros se mostram brilhantes, com grande vocabulário e curiosidade insaciável, mas se frustram com facilidade quando algo não sai perfeito.


Essas manifestações podem gerar uma dúvida angustiante:


“Será que meu filho é autista... ou será que é superdotado?”

Essa dúvida é legítima — e muito mais comum do que parece. Ambas as condições envolvem maneiras particulares de perceber o mundo e podem se expressar por meio da rigidez cognitiva, ou seja, uma tendência a pensar e agir de forma muito estruturada e resistente a mudanças.


Antes de tentar “encaixar” a criança em um rótulo, é essencial entender o que essa rigidez significa — e o que a ciência já sabe sobre ela.



2. O que é rigidez cognitiva e por que ela aparece


A rigidez cognitiva é uma característica que indica dificuldade de flexibilizar o pensamento. A criança rígida tem dificuldade em mudar de ideia, aceitar novas regras ou adaptar-se quando algo foge do esperado.


Na prática, isso se manifesta assim:


  • Quer sempre o mesmo prato, copo ou talher;

  • Se irrita se a rotina muda;

  • Fica frustrada quando o jogo é jogado de outra maneira;

  • Tem dificuldade em aceitar outro ponto de vista;

  • Sofre com imprevistos e com a ideia de errar.


Mas nem sempre a rigidez é algo negativo. Em muitos casos, ela vem acompanhada de foco, persistência e paixão por temas específicos — traços que, em alguns contextos, impulsionam o aprendizado e o desenvolvimento de talentos.

É justamente essa dualidade que confunde pais e profissionais: a rigidez pode ser um desafio no autismo e, ao mesmo tempo, um traço de intensidade na superdotação.



3. Quando a rigidez vem do autismo


O autismo (ou Transtorno do Espectro Autista – TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento que envolve diferenças na comunicação social e comportamentos repetitivos ou restritos.


Segundo o estudo de Riccioni e colegas (2021), crianças com autismo de alto funcionamento (HFA) costumam apresentar:


  • Dificuldade de adaptação a mudanças;

  • Pensamento muito literal;

  • Interesses restritos e repetitivos;

  • Desafios nas habilidades sociais e na leitura de emoções;

  • Perfil cognitivo heterogêneo — com áreas de grande força (como raciocínio lógico) e outras de fragilidade (como processamento rápido e flexibilidade).


Essa rigidez, no autismo, está ligada a diferenças no funcionamento cerebral, especialmente nas regiões responsáveis por controle executivo, atenção e adaptação. Em testes neurofisiológicos, como o MMN (mismatch negativity) — uma medida da resposta automática do cérebro a mudanças —, crianças autistas apresentaram resposta reduzida, o que indica menor sensibilidade para perceber novidades e ajustar-se a elas.


Em resumo, no autismo, a rigidez tende a ser involuntária, um reflexo de como o cérebro processa informações e reage à imprevisibilidade.



4. Quando a rigidez vem da superdotação


Já na superdotação, a rigidez cognitiva tem um significado diferente. Crianças com alto potencial intelectual (High Intellectual Potential – HIP) também demonstram comportamentos intensos, como:


  • Foco extremo em temas de interesse;

  • Dificuldade em tolerar erros;

  • Desejo de que tudo seja “perfeito”;

  • Irritação quando o ambiente é lento ou incoerente;

  • Sensação de desconforto com regras que não fazem sentido lógico.


Essas crianças têm um QI acima do percentil 95, segundo as Escalas de Wechsler, e um perfil cognitivo não homogêneo — com altíssimo desempenho em compreensão verbal e raciocínio, mas ritmo mais lento em tarefas mecânicas ou repetitivas.


Ou seja, a criança pode ser brilhante ao discutir astronomia, mas perder a paciência com tarefas simples de escola. Essa diferença gera frustração, impaciência e uma aparente “rigidez” frente a atividades que exigem adaptação ou lentidão.


O estudo mostra que essas crianças também apresentam traços de perfeccionismo e sensibilidade emocional elevada — o que pode se manifestar como rigidez ou até ansiedade diante do erro.



5. Semelhanças entre autismo e superdotação


Pesquisas recentes vêm mostrando que há zonas de sobreposição entre o autismo e a superdotação, o que pode confundir diagnósticos. Riccioni et al. (2021) identificaram que tanto crianças autistas quanto as superdotadas:


  • Têm perfil cognitivo desigual, com pontos muito fortes e outros mais lentos;

  • Podem ter dificuldade de atenção em temas que não interessam;

  • Demonstram perfeccionismo e rigidez em padrões pessoais;

  • Costumam ter interesses intensos e específicos;

  • Apresentam dificuldades sociais (por motivos distintos).


Essas semelhanças não significam que toda criança superdotada é autista — nem o contrário. Mas explicam por que muitos pais (e até escolas) percebem “sinais de autismo” em crianças superdotadas, quando na verdade se trata de uma forma diferente de funcionamento cognitivo.



6. As diferenças essenciais: o que cada rigidez revela

Apesar das semelhanças externas, a origem e o impacto da rigidez são bem diferentes nos dois perfis.

Aspecto

Rigidez no Autismo

Rigidez na Superdotação

Motivo principal

Dificuldade em processar mudanças e imprevistos

Desejo de controle, coerência e perfeição

Foco

Repetição e previsibilidade trazem segurança

Regras lógicas e padrões de excelência

Reação ao erro

Sofrimento intenso, necessidade de rotina

Frustração e autocrítica

Aspecto emocional

Ansiedade diante do inesperado

Ansiedade ligada ao perfeccionismo

Interesses restritos

Limitados e repetitivos

Amplos, mas intensamente aprofundados

Desempenho social

Dificuldade em ler sinais sociais

Boa leitura social, mas seletividade

Base neurológica

Diferenças no processamento sensorial e executivo (MMN reduzido)

Alta conectividade e processamento seletivo (MMN normal)

Essas distinções ajudam profissionais a diferenciar as duas condições, mas também servem para orientar pais sobre como lidar com o comportamento em casa e na escola.


"Meu filho é rígido no pensamento — isso é autismo ou superdotação?"


7. Como a rigidez se manifesta no dia a dia: exemplos reais


Imagine dois meninos de 8 anos:


  • Rafael, diagnosticado com autismo leve;

  • Lucas, identificado como superdotado.


Ambos ficam irritados quando o professor muda a ordem das atividades. Mas a causa é diferente:


  • Rafael sente desconforto físico e emocional com a mudança. A rotina previsível é o que o ajuda a se sentir seguro.

  • Lucas reclama porque a nova sequência “não faz sentido”. Ele quer entender a lógica da decisão.


No recreio, Rafael tende a brincar sozinho porque não compreende bem as regras sociais; Lucas prefere ficar sozinho porque acha os colegas infantis ou desinteressantes.

Esses exemplos mostram como o comportamento visível é semelhante, mas a intenção interna e o processamento mental são distintos.



8. O papel do perfeccionismo e da ansiedade


O estudo italiano também encontrou algo importante: tanto crianças autistas quanto as superdotadas apresentaram níveis elevados de perfeccionismo.


Esse traço, quando equilibrado, pode ser positivo — impulsiona o esforço e o desejo de excelência. Mas quando se torna excessivo, leva a:


  • Ansiedade;

  • Autoexigência extrema;

  • Dificuldade de aceitar erros;

  • Sensação constante de inadequação.


Para os pais, é essencial perceber se o filho está sofrendo com a própria rigidez. Se a criança se culpa demais, evita tentar por medo de errar, ou fica exausta tentando controlar tudo, é hora de buscar apoio psicológico especializado.



9. A importância da avaliação profissional

Mesmo com tantas informações, não é possível diferenciar autismo e superdotação apenas pela observação dos pais. Uma avaliação adequada deve incluir:


  1. Testes de QI e perfil cognitivo;

  2. Avaliação adaptativa e emocional;

  3. Observação clínica do comportamento social e comunicativo;

  4. Entrevista com diferentes fontes de informação (professores e terapeutas).


Essas ferramentas permitem identificar se a rigidez é parte de um padrão autístico, traço de alta inteligência ou resultado de ansiedade e sensibilidade.

Clique aqui e conheça os benefícios da avaliação neuropsicológica e dê o primeiro passo para compreender e potencializar o funcionamento do seu filho.



10. O que os pais podem fazer em casa


Independente do diagnóstico, pais podem ajudar muito. Abaixo estão estratégias práticas para lidar com filhos que apresentam rigidez cognitiva:


🟢 1. Valorize a previsibilidade

Crianças rígidas se sentem mais seguras com rotinas claras. Crie quadros visuais ou listas de tarefas que ajudem a antecipar o que vai acontecer.


🟢 2. Explique o “porquê” das mudanças

Se for preciso mudar algo, explique com antecedência e de forma lógica. Isso ajuda tanto autistas (a se prepararem emocionalmente) quanto superdotados (a compreenderem o sentido da mudança).


🟢 3. Trabalhe a tolerância ao erro

Elogie o esforço, não apenas o resultado. Mostre que errar é parte do aprendizado e conte situações em que adultos também erram.


🟢 4. Evite rótulos e comparações

Dizer “você é teimoso” ou “você é muito exigente” pode aumentar a rigidez. Em vez disso, descreva o comportamento:

“Percebo que você gosta de fazer as coisas de um jeito específico. Vamos tentar outro e ver o que acontece?”


🟢 5. Incentive o contato social equilibrado

Ajude seu filho a se relacionar com colegas que compartilhem interesses — mas também a compreender diferentes estilos de brincar e conversar.


🟢 6. Cuide da saúde emocional

Rigidez excessiva pode esconder ansiedade, baixa autoestima ou sensibilidade sensorial. A escuta empática e o acolhimento são essenciais.



11. Quando procurar ajuda especializada


É hora de buscar um profissional quando:


  • A rigidez causa sofrimento (crises, choros, isolamento);

  • O rendimento escolar cai por dificuldade em aceitar regras;

  • Há sinais de ansiedade, insônia ou perfeccionismo extremo;

  • A socialização se torna difícil ou inexistente.


Procure psicólogos, neuropsicólogos e psiquiatras infantis especializados em neurodesenvolvimento e altas habilidades. Um olhar integrado evita diagnósticos equivocados e permite que a criança receba o apoio certo, no momento certo.



12. Entre o brilho e o desafio


Crianças com rigidez de pensamento — sejam autistas, superdotadas ou ambas as coisas — enxergam o mundo por lentes únicas. Elas percebem detalhes que outros não veem, pensam de modo profundo, buscam coerência e justiça.


O desafio está em ajudá-las a equilibrar estrutura e flexibilidade, lógica e emoção, autonomia e convivência.


A boa notícia é que, com apoio e compreensão, essas crianças podem transformar a rigidez em foco produtivo, resiliência e criatividade — habilidades que as acompanharão por toda a vida.



Referência:

Riccioni, A. et al. (2021). High Intellectual Potential and High Functioning Autism: Clinical and Neurophysiological Features in a Pediatric Sample. Brain Sciences, 11(12), 1607. DOI: 10.3390/brainsci11121607.


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